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(Amaro Moraes e Silva Neto)
(Edição nº 002, de 15 de outubro de 2010.)
MEIA HORA APÓS A DECOLAGEM, O AVIÃO ENTROU EM PANE E COMEÇOU O SUPLÍCIO: O AR CONDICIONADO PAROU, AS LUZES SE APAGARAM E UM CHEIRO DE FUMAÇA INVADIU O AMBIENTE. PASSAGEIROS E TRIPULANTES SE DESESPERARAM. O AVIÃO, ENTÃO, RETORNOU AO AEROPORTO INTERNACIONAL TOM JOBIM. RODRIGO CORREA SOMENTE CONSEGUIU RETOMAR A VIAGEM 24 HORAS DEPOIS. NA SENTENÇA, A JUÍZA LUCIANA GOMES DE PAIVA, TITULAR DO 23º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, DISSE QUE O DANO MORAL FICOU COMPROVADO “DIANTE DA MANIFESTO DESGASTE DECORRENTE DA LONGA ESPERA, SOMADO AO TEMOR AO TER QUE SUPORTAR O VOO EM SITUAÇÃO DE RISCO”. A CONDENAÇÃO FOI MANTIDA POR DECISÃO UNÂNIME DA 3ª TURMA RECURSAL. (cf in http://srv85.tjrj.jus.br/publicador/exibirnoticia.do?acao=exibirnoticia&ultimasNoticias=20219&classeNoticia=2) Graças à perícia dos pilotos da aeronave, os passageiros não sofreram quaisquer danos físicos ou materiais. Contudo, moralmente, todos saíram feridos. Os relatos dos passageiros ressaltam a lesão moral causada. “Foi um horror, tinha famílias inteiras no avião. Eu mesma dei o maior dos escândalos; tenho dois filhos, bateu um desespero. Muita gente chorou até tudo acabar” - contou a passageira Adriane Vilarinho 01. “Meu filho de oito anos estava na janela e viu tudo. Ele perguntou se íamos morrer” - informou o empresário Antonio Carlos Germano Santos 02. Prosseguindo, com comoção e inconformidade, disse que seu filho e sua “minha mulher não conseguem dormir”. Frente aos fatos apontados, é inegável que danos morais foram infligidos aos mais de duzentos passageiros da aeronave da TAM. E tais danos, de acordo com a legislação aplicável à matéria 03, devem ser ressarcidos, afinal toda vez que direitos fundamentais da personalidade são violados, trazendo conseqüente abalo anímico (tristeza, frustração, angústia, humilhação, desespero, pavor...), está caracterizado o dano moral, o qual é ínsito à concretização, à efetivação do ato ilícito. É aquela “coisas” do Direito Romano chamado in res ipsa. Quando alguém sofre uma fratura, com uma radiografia podemos determinar toda a sua extensão. Se um bem qualquer é acidentado, facilmente, com uma perícia, é possível se descobrir toda a extensão do dano. Igualmente eventuais lucros cessantes podem ser apurados em quase toda a sua extensão. Porém... ¿como se radiografar um coração partido?, ¿como, através de um laudo, se determinar uma expectativa em erosão?, ¿como se apurar os lucros cessantes de um sonho destroçado?, ¿como quantificar o desespero e o pavor? Ainda não se encontra disponível um aparattus que possa determinar, ou quantificar, o tamanho da ferida da dor moral. Pode-se fotografar a expressão da dor - mas não se pode fotografar a dor. Não existe um sistema para determinar a dosimetria da dor, da frustração, do aborrecimento, da infelicidade, da humilhação, do desepero e do pavor impostos. Aquele “nó na garganta”, aquela “dor no peito”, aquele “sentimento de insegurança ou de preterimento” ou aquele “medo que morte a todos traz”? são necessariamente imensuráveis. Assim, ¿como se esperar que a vítima de um dano moral o comprove através dos meios que dispomos em nosso ordenamento jurídico? ¿Como se determinar o valor de um prejuízo anímico, o quantum que o deve compensar? Se a mens juris não se rebelasse contra isso, o dano moral seria irreparável. Na segunda metade do Século XX, no Brasil, intensificou-se um movimento doutrinário defendendo a indenização quando da ocorrência do dano moral. A princípio os Tribunais se mostraram arredios mas, com o correr de poucas décadas, ficou consolidada jurisprudencialmente a inequívoca necessidade de se reparar o dano moral. Sensíveis – coisa rara – à mudança imperiosamente exigida pelo Mundo do Direito, nossos Constituintes de 1988 consagraram este anseio no artigo 5° de nossa Constituição Federal, onde consta o seguinte:-
X - SÃO INVIOLÁVEIS A INTIMIDADE, A VIDA PRIVADA, A HONRA E A IMAGEM DAS PESSOAS, ASSEGURADO O DIREITO A INDENIZAÇÃO PELO DANO MATERIAL OU MORAL DECORRENTE DE SUA VIOLAÇÃO;
ARTIGO 187 - TAMBÉM COMETE ATO ILÍCITO O TITULAR DE UM DIREITO QUE, AO EXERCÊ-LO, EXCEDE MANIFESTAMENTE OS LIMITES IMPOSTOS PELO SEU FIM ECONÔMICO OU SOCIAL, PELA BOA-FÉ OU PELOS BONS COSTUMES. Além disso, como preleciona Carlos Alberto Bittar, ao ser arbitrada uma indenização, “levam-se, em conta, basicamente, as circunstâncias do caso, a gravidade do dano, a situação do lesante, a condição do lesado, preponderando em nível de orientação central, a idéia de sancionamento ao lesado” 04, a par da dor moral, em sua mais ampla acepção, jamais poder ser reparada. Ela apenas pode ser compensada, amenizada. Para Yussef Said Cahali, “não se trata de ressarcir o prejuízo material representado pela perda de um familiar economicamente proveitoso, mas de reparar a dor com bens de natureza distinta, de caráter compensatório e que, de alguma forma, servem como lenitivo" 05, haja vista que é impossível se voltar ao status quo ante. Porque, como já dito, a indenização nunca apaga as marcas do infortúnio, apenas as minimiza. O trabalho do arbitramento da indenização por dano moral cabe única, estrita e exclusivamente ao Juiz, que deve agir com a prudência dos sapateiros. ¿O sapato aperta? - coloque-se-o na forma. ¿Não bastou? - corte-se-lhe o bico para que os artelhos (maiores ou menores) não se sintam machucados. ¿Foi insuficiente? - então extirpe-se-lhe o anteparo do calcanhar. “Mas o sapato se tornou um chinelo”, obtemperarão alguns. Mas o que importa é que a tutela jurisdicional foi alcançada no único molde em que uma coisa pode ser enquadrada: no molde do possível. O sapato transformado em chinelo atende suas funções ontológicas, posto que protege o pé do chão. E assim deve agir o Juiz para atender a prestação da tutela jurisdicional requerida, de molde a cortar todas as arestas que se fizerem necessárias para adequá-la ao binômio proporcionalidade/razoabilidade. O quantum pleiteado pela vítima a título de ressarcimento por dano moral, não vincula o Julgador de Primeira e Segunda Instâncias ao valor por ela requerido a título de indenização. Este valor deve ter suas bases nos belos princípios da proporcionalidade (que nada mais é do que uma faceta da razoabilidade), de modo a compensar os transtornos causados à vítima e, concomitantemente, desestimular a reincidência por parte do autor da ofensa (in casu, as empresas aéreas). O princípio da proporcionalidade (verhältnismässigkeitsprinzip) objetiva, primordial e axiologicamente, uma solução que atenda, no mínimo e ao máximo, os interesses das partes envolvidas. É a harmonização dos direitos conflitantes. Neste sentido, com propriedade, o altíloquo Ministro Castro Filho, do STJ, ao relatar o Recurso Especial nº 291625/SP, ponderou que “inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação e em consonância com as peculiaridades do caso concreto” 06. Nossos Tribunais, seguindo a orientação do STJ, vêm adotando, unissonamente, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como bases para a fixação das indenizações, eis que a gravidade do dano e a capacidade econômica da companhia aérea” são os norteadores para o arbitramento da indenização – o consumidor é a parte hipossuficiente neste relacionamento. Dos onze recursos julgados pelo STJ que dizem respeito a overbooking07, entre 16 de maio de 2002 e 06 de março de 2007, o Superior Tribunal de Justiça julgou onze recursos que tratavam de overbooking (dez relativas às companhias aéreas e um pertinente uma agência de viagens). Em cinco julgados acordaram em diminuir o quantum da indenização, quatro o mantiveram e em dois casos a aumentaram, como vemos no gráfico abaixo:
** Por vezes a condenação de Primeira Instância coincide com o valor pleiteado pela Vítima. *** O valor da indenização, aqui consignado, é sempre o relativo a uma Vitima. REFERÊNCIAS * Cf. in INFLUÊNCIA DE FATORES PRODUTORES DE ESTRESSE EM JOGADORES DE FUTEBOL DO DISTRITO FEDERAL, trabalho de ALCIR BRAGA SANCHES apresentado ao curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Ciências da Saúde, 2004. 01 Cf. in Jornal da Tarde (SP) de 12/ii/2008, Caderno A, fls. 07, ab initio, ou a partir do website do JORNAL DA TARDE. 02 Vide nota anterior. 03 Vide O CAOS DA AVIAÇÃO COMERCIAL E A LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. 04 Cf. in REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS, 3ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 279. 05 Cf. in DANO MORAL – Editora Revista dos Tribunais, 3ª edição, 2005, p. 111. 06 Publicado no Diário da Justiça de 04/08/2003. 07 Três Agravos Regimentais e oito Recursos Especiais. |